A Vinha do Senhor

Mateus 21.33-46

Introdução: A mensagem estudada neste estudo é o texto da parábola dos lavradores maus ou dos vinhateiros baseada no texto de Mateus 21.33-46 e podendo ser encontrada também em Marcos 12.1-12 e Lucas 20.9-19 além de ser encontrada também no texto apócrifo do evangelho de Tomé verso 65.

1. O texto bíblico: Mateus 21.33-46[1]

33. Ouvi ainda outra parábola: Havia um homem, proprietário, que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, e edificou uma torre; depois arrendou-a a uns lavradores e ausentou-se do país.
34. E quando chegou o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os seus frutos.
35. E os lavradores, apoderando-se dos servos, espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram. 
36. Depois enviou ainda outros servos, em maior número do que os primeiros; e fizeram-lhes o mesmo.
37. Por último enviou-lhes seu filho, dizendo: A meu filho terão respeito. 
38. Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo, e apoderemo-nos da sua herança.
39. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram.
40. Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará aqueles lavradores?
41. Responderam-lhe eles: Fará perecer miseravelmente a esses maus, e arrendará a vinha a outros lavradores, que a seu tempo lhe entreguem os frutos.
42. Disse-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta como pedra angular; pelo Senhor foi feito isso, e é maravilhoso aos nossos olhos?
43. Portanto eu vos digo que vos será tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que dę os seus frutos.
44. E quem cair sobre esta pedra será despedaçado; mas aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó.
45. Os principais sacerdotes e os fariseus, ouvindo essas parábolas, entenderam que era deles que Jesus falava.
46. E procuravam prendê-lo, mas temeram o povo, porquanto este o tinha por profeta.

2. Primeira aproximação do texto

a. Delimitação

O texto começa no início do versículo 33 que apresenta um começo de conversa ou mudança de assunto com a frase “outra parábola ouvi”. Jesus havia contado a parábola dos dois filhos motivado pelo questionamento de sua autoridade, bem como de João Batista.  O fim do texto é conclusivo do versículo 43 a 46, onde Jesus aplica o significado da parábola aos ouvintes e em seguida o texto transcreve a reação dos mesmos.

b. Tradução[2]

33.  Outra parábola ouvi. (um) homem[2] Havia[1] (um) dono de casa que plantou (uma) vinha e (uma) cerca dela[2] pôs ao redor[1] e cavou em ela (um) lagar e construiu (uma) torre e arrendou a mesma (=a vinha) a lavradores e foi viajar.
34.  quando[2] E[1] se aproximou o tempo dos frutos, enviou os servos dela para os lavradores para receber os frutos dele.
35.  E tomando[3] os[1] lavradores[2] os servos dele a um espancaram, a outro mataram, a outro apedrejaram.
36.  Novamente enviou outros servos mais do que os primeiros, e fizeram a eles semelhantemente.
37.  Por fim[2] E[1] enviou a eles o filho dele dizendo: respeitarão o filho[2] meu[1].
38.  os[2] Mas[1] lavradores vendo o filho disseram entre si mesmos: Este é o herdeiro vinde matemos o mesmo e tenhamos a herança dele,
39.  e tomando a ele lançaram fora da vinha e mataram.
40.  quando pois vier o senhor da vinha, que fará aos lavradores aqueles?
41.  Dizem a ele: (Aos) malvados horrivelmente destruirá a eles e a vinha arrendará a outros lavradores, os quais entregarão a ele os frutos em os tempos deles.
42.  Diz a eles Jesus: nunca lestes em as Escrituras:
Pedra que rejeitaram os construtores,
esta se tornou em cabeça de esquina;
da parte de o Senhor aconteceu isto
e é maravilhoso em olhos[2] nossos[1]?
43.  por isso digo a vós que será tirado de vós o reino de Deus e será dado a nação que produz os frutos dele.
44.  [E o que cai sobre pedra[2] esta[1] será despedaçado; sobre[2] quem[3] e[1] cair reduzirá a pó o mesmo.]
45.  e tendo ouvido os principais sacerdotes e os fariseus as parábolas dele entenderam que a respeito deles estava falando;
46.  e procurando a ele[2] prender[1] temeram as multidões, porque por profeta a ele tinham[1].

c. Subdivisão

O texto inicia trazendo o primeiro verso com uma imediata introdução do texto, descrevendo assim a preparação cuidadosa da vinha.
Dos versos 33 a 44 segue a narrativa com dois momentos ou subdivisões. Esta introdução caracteriza nos versos 33 a 39 o discurso de Jesus por parábolas e em um segunda situação nos versos 40 a 44 inquirindo sobre o entendimento da mensagem bem como condenado os religiosos por matar os profetas e dando pistas de sua morte ao contar que uma vez assinados todos os servos do proprietário só resta matar seu filho. Nos versos 45 e 46 supõe que a citação encerra a discussão, mostrando a reação dos ouvintes.

O tema central da parábola é a desobediência do povo de Israel.

O texto se desenvolve em dois momentos:
  1º- fala da vinha e dos lavradores
  2º- fala da pedra e dos construtores
Do primeiro para o segundo argumento, a vinha se transforma em pedra e os lavradores em construtores:
Vinha = pedra = Israel
Lavradores = construtores = líderes religiosos
Estes são apenas argumentos usados, pois assunto é o mesmo como já dito, a desobediência de Israel, especialmente de seus líderes.
Primeiro a atenção é voltada para os frutos que não são colhidos, depois para os servos que são maltratados, depois para o filho que é morto e por fim retorna para os frutos que deverão ser colhidos por outros lavradores.
O texto pode ser subdividida em quatro momentos: primeiro a parábola contada, segundo a pergunta chave para o entendimento da parábola, terceiro uma nova aplicação da parábola com novo argumento e por último (quarto) a reação dos ouvintes.

A parábola contada
33.    Outra parábola ouvi. (um) homem[2] Havia[1] (um) dono de casa que plantou (uma) vinha e (uma) cerca dela[2] pôs ao redor[1] e cavou em ela (um) lagar e construiu (uma) torre e arrendou a mesma (=a vinha) a lavradores e foi viajar.
34.    quando[2] E[1] se aproximou o tempo dos frutosenviou os servos dela para os lavradores para receber os frutos dele.
35.    E tomando[3] os[1] lavradores[2] os servos dele a um espancaram, a outro mataram, a outro apedrejaram.
36.    Novamente enviou outros servos mais do que os primeiros, e fizeram a eles semelhantemente.
37.    Por fim[2] E[1] enviou a eles o filho dele dizendo: respeitarão o filho[2] meu[1].
38.    os[2] Mas[1] lavradores vendo o filho disseram entre si mesmos: Este é o herdeiro vinde matemos o mesmo e tenhamos a herança dele,
39.    e tomando a ele lançaram fora da vinha e mataram.
Questionamento
40.    quando pois vier o senhor da vinha, que fará aos lavradores aqueles?
41.    Dizem a ele: (Aos) malvados horrivelmente destruirá a eles e a vinha arrendará a outros lavradores, os quais entregarão a ele os frutos em os tempos deles.
Aplicação da parábola
42.    Diz a eles Jesus: nunca lestes em as Escrituras:
Pedra que rejeitaram os construtores,
esta se tornou em cabeça de esquina;
da parte de o Senhor aconteceu isto
e é maravilhoso em olhos[2] nossos[1]?
43.    por isso digo a vós que será tirado de vós o reino de Deus e será dado a nação que produz os frutos dele.
44.    [E o que cai sobre pedra[2] esta[1] será despedaçado; sobre[2] quem[3] e[1] cair reduzirá a pó o mesmo.]
Reação dos ouvintes
45.    e tendo ouvido os principais sacerdotes e os fariseus as parábolas dele entenderam que a respeito deles estava falando;
46.    e procurando a ele[2] prender[1] temeram as multidões, porque por profeta a ele tinham[1].

d. Crítica Textual

O texto é apresentado em forma de parábola tendo o propósito e desvendar e ilustrar um assunto. Os textos do evangelho de Mateus certamente são fruto e conteúdo de sua pregação na comunidade e o tema ainda devia ter relevância para os mesmos talvez ainda confrontando a comunidade mateana (de Mateus) que era judaizante para a aceitação do povo gentio cristão, ainda que o próprio Mateus tenha apresentado seu texto com embasamento judaico [3].
O texto pressupõe um claro desafio de Jesus às lideranças políticas e religiosas da época que buscavam subtrair uma resposta aberta sobre o poder de Jesus. Por isso o Mestre contra-atacava com perguntas que não podiam responder. A linguagem por isso às vezes parece ser agressiva.

2. Segunda Aproximação do texto

a. Leitura Sincrônica: Análise linguística sistemática

A tradição acerca da criação e desobediência de Adão e Eva não sabendo administrar bem o jardim que Deus criou e Caim o lavrador que matou seu irmão que havia oferecido a Deus um cordeiro, certamente é a fonte primária deste tipo de alegoria que compara a vinha com o povo de Deus e os lavradores com os pecadores.
 A narração do texto faz referência ao cântico da vinha de Isaías 5.1-8 fazendo alusão à classe dirigente como também é feita por Isaías declarando que a vinha é Israel (Isaías 5.7) e os administradores além de a administrarem mal tramavam se apropriar dela. Também o Salmo 80.8-16 traz o cântico da vinha em forma de uma oração pedindo a proteção da vinha que mais uma vez é interpretada como Israel.
Ainda no versículo 42 o autor cita o Salmo 118.22 ilustrando o ‘apedokimson’ (rejeitado) que entendia-se sendo Davi o filho que foi rejeitado e aplicando-o a Jesus. A lógica da narrativa também levou à introdução da figura do filho único.
Outra lembrança que o texto faz é da lei mosaica que ensinava que após sete anos de arrendamento da terra, esta deveria ser devolvida ao seu proprietário original (Deuteronômio 15.1 e 31.10). Isso fez o povo entender que tinham direito de reivindicar seus direitos e as autoridades que já tinham usufruído demais do povo.

b. Leitura Diacrônica: Análise Literária

A bíblia de Jerusalém traz um interessante comentário sobre a forma literária deste texto:
“Não é bem uma ‘parábola’, mas sim uma ‘alegoria’, porque cada pormenor da narrativa tem a sua significação: o proprietário é Deus; a vinha é o povo eleito, Isarael (cf. Is 5,1+); os servos são os profetas; o filho é Jesus, morto fora dos muros de Jerusalém; os vinhateiros homicidas são os judeus infiéis; outro povo aquemserá entregue a vinha, são os pagãos”[4].

O texto está inserido em um contexto de vários episódios ocorridos na Galiléia dentre outros acontecimentos. Isso pode ser percebido na leitura dos capítulos 19, 20 e 21 onde os textos estão ligados entre si pela sua estrutura narrativa quase idêntica, pois neles Jesus volta sua atenção à uma discussão com seus adversários, num diálogo de perguntas e respostas.
O texto é coeso. Não há quebra em seu sentido, trazendo de forma bem clara o seu discurso. Quanto à sua autenticidade, o texto também não apresenta problemas. Em comparação com a mesma parábola relatada em Marcos e Lucas percebe-se que estão de acordo entre si na sequência dos fatos, principalmente por terem provavelmente seguido a fonte do evangelho de Marcos ou mesmo o evangelho de Tomé que também traz a parábola de forma mais resumida.

- Análise da Redação

O texto é propriamente a continuação da resposta que Jesus dá ao sinédrio quando após ter entrado triunfalmente no Templo (Mateus 21.1-11), ter purificado o Templo (Mateus 21.12-13), curado muitas pessoas ali (Mateus 21.14-17) e ao sair da cidade ter feito secar a figueira (Mateus 21.18-22),  é então questionado sobre sua autoridade (Mateus 21.23-27) e como refutação, tendo já contado a parábola dos dois filhos (Mateus 21.28-32) prossegue com esta parábola revelando não somente a trajetória bíblica dos profetas como também seu próprio futuro. Estas narrativas têm em comum apontar para a substituição de Israel3 na história da salvação.
Os textos que seguem a parábola nos capítulos 22, 23 são a continuação da discussão com os fariseus onde Jesus continua o tema com a parábola das bodas (Mateus 22.1-14) e em seguida aborda assuntos polêmicos como a questão do tributo (Mateus 22.15-22), a ressurreição (Mateus 22.23-33), o grande mandamento (Mateus 22.34-40), revela-se como Filho de Davi (Mateus 22.41-46) e continua o capítulo 23 censurando os fariseus e preparando seus ouvintes para seu discurso escatológico no capítulo 24.
Sendo assim, o texto é um eixo entre as discussões dos temas religiosos da época e o tema da salvação proposto por Jesus. O entendimento da parábola se torna uma chave para entender a história de Israel e a revelação de Jesus Cristo.

3. Hermenêutica

a. Análise das Formas

Jesus contava histórias muito ligadas à maneira de viver do povo da Galiléia, por isso os exemplos quase sempre estavam ligados à vida rural e agrícola. Na comunidade mateana prosseguiu-se o uso de parábolas para refletir sobre a situação social que viviam. Os confrontos de poder romano e resistência popular judaica quase sempre eram expressadas em torno de ações simbólicas como o uso de alegorias.
A palavra mais repetida é lavradores (ἀμπελῶνα) seis vezes; depois vinha (γεωργοῖς) e frutos (καρπῶν) quatro vezes cada uma; em seguida servos (δούλους) e filho (υἱὸν) três vezes cada uma e por fim pedra (λίθον) duas vezes.  O verbo mais enfatizado é enviar (ἀπέστειλεν) três vezes citado indicando a missão de Deus para com seu povo.
Segundo Adolfo Castaño Fonseca[5] a estratégia de contar parábolas era uma forma de pregação muito usada no discipulado de Jesus que lhe permitia conhecer e compartilhar as histórias do povo falando numa linguagem que lhes fosse acessível.

b. Análise da História e Tradições

Para entender a passagem em seu sentido, é preciso conhecer a situação dos arrendatários do século I d.C. Geralmente os arrendatários trabalhavam nas terras alheias porque haviam perdido suas propriedades devido ao endividamento junto a nobres ou sacerdotes. Joaquim Jeremias diz:
“não só o vale do Jordão, mas provavelmente também a margem Norte e Nordeste do Lago de Genezaré e parte do Planalto Galileu, tinham naquele tempo caráter de latifúndio estando em mão de estrangeiros”[6].
O caráter latifundiário de outros lugares do Planalto Galileu era devido ao fato de que era originalmente terra do rei e as terras da Palestina do primeiro século eram controladas pela elite herodiana, pelo sacerdócio, anciãos, escribas, pelo procurador romano e por cidades gentias (Decápolis).
O arrendatário podia pagar uma determinada quantia fixa pelo uso da terra ou entregar uma porcentagem da colheita, que normalmente era de 50%. Os arrendatários viviam em situação de dependência em relação ao proprietário, mas tinham uma situação melhor do que os diaristas. Essa parábola revela a existência de duas classes: a dos proprietários ricos e dos camponeses empobrecidos por dívidas. Essa era a organização sócia da época que continha mecanismos para desapropriar terras de pequenos proprietários.
Era comum os estrangeiros comprarem fazendas em Israel que alugavam aos galileus. Os donos moravam em terras longínquas; enviavam súbditos para cobrar o aluguel. O auditório imediato de parábola são os “príncipes dos sacerdotes e os fariseus”.  No v.45, “ao ouvir isto, os príncipes dos sacerdotes, entenderam que falava para eles”. 

c. Análise do conteúdo do texto

- PERSONAGENS

O texto cita os seguintes personagens, que eram comuns para o local e a cultura:
Dono da casa (οἰκοδεσπότης ): proprietário, chefe de família, talvez até latifundiário
Lavradores (γεωργοῖς):
Servos (δούλους): emissários do dono. Executivos de sua vontade.
Filho (υἱὸν): autoridade máxima. É o mesmo que o dono vir em pessoa.

- LUGARES

O texto cita lugares comuns ao ambiente da época e região:
Vinha (ἀμπελῶνα): plantação de uvas. Uma das principais atividades agrícolas da Palestina. Símbolo da nação de Israel: Is 5.1-2; 27.2; Jr 2.21; Jl 1.7.
Lagar (ληνὸν): dispositivo de dois "tanques", um mais alto do que o outro, onde o mais alto comunicava-se com o mais baixo por um pequeno canal. No primeiro as uvas eram pisadas e o suco escorria para o segundo.
Torre (πύργον): para vigiar a vinha, servir de armazém e de alojamento para os agricultores.

- AÇÕES

O texto cita ações negativas dos maiorais que marcavam o povo:
Cercou-a de uma sebe (φραγμὸν αὐτῷ περιέθηκεν): proteção contra ladrões e animais selvagens, além de impedir a entrada dos pobres que vinham apanhar restos da colheita.
Arrendar (ἐξέδετο): aluguel de terras muito comum. O preço podia ser fixado em dinheiro ou, como neste caso, em frutos. Podia ser uma quantia fixa ou uma percentagem da colheita (geralmente 1/3 da mesma).
Ausentar-se do país (ἀπεδήμησεν): comum para os ricos (Mt 25.14). Mostra confiança.
Espancar, matar e apedrejar (ἐλιθοβόλησαν, ἀποκτείνωμεν, ἐλιθοβόλησαν  ): ações agressivas que lembram o tratamento comum recebido pelos profetas. (Mt 22.6; 23.31,35,37)
Matar o filho e se apoderar da herança (δεῦτε ἀποκτείνωμεν αὐτὸν καὶ σχῶμεν τὴν κληρονομίαν): pelas leis vigentes na época, uma propriedade sem dono poderia ser tomada pelo que primeiro a ocupasse. Os agricultores, vendo o filho, provavelmente único, pensaram: o dono (pai) morreu e agora matando o herdeiro a terra estará "sem dono" e, portanto, será nossa.

d. Análise da Teologia do texto

O significado alegórico da parábola aponta para sua origem na comunidade primitiva, o contexto social da época. O envio dos emissários era usado para manter uma vinha no estrangeiro e o aparentemente insensato envio do filho depois do envio dos servos explica-se pelo fato de que o filho também era dono. Além disso, indica que todo bem (propriedade) que fica sem proprietário por muito tempo pode ser apropriado por outra pessoa.
Um fato interessante é que a parábola conta que a terra foi transformada em vinhedo e para isso era preciso se muito rico, porque a terra levava quatro anos para produzir pela primeira vez.  Além disso, ao ser transformada em vinhedo, a terra deixava de ser cultivada para outras culturas úteis aos camponeses como grãos e legumes e se tornava uma lavoura cuja colheita só tinha utilidade econômica para o homem rico.
Os ouvintes camponeses entre a multidão teriam entendido a parábola só depois de reconhecerem sua aplicação, isto é, ao perceberem que os arrendatários distantes e violentos eram a elite de Jerusalém que a tinham sob o domínio romano.
A teologia da parábola tem muito sentido de protesto social, como disse Joaquim Jeremias em seu livro As parábolas de Jesus:
“A parábola retrata realisticamente o ânimo revolucionário dos camponeses galileus contra os latifundiários estrangeiros, excitados pelo zelotismo que tinha sua sede na Galileia” [7].
e. Atualização da Mensagem
Para nós, cristãos, talvez seja natural entender os elementos da parábola da seguinte forma: o dono da vinha é Deus, o herdeiro é Jesus, os lavradores/arrendatários são os judeus. Contudo, esta interpretação simples é, muito provavelmente, fora da interpretação dos ouvintes de Jesus.
É preciso pensar bem na interpretação usual cristã da parábola por dois motivos:
antisemitismo:  intenção de condenar os judeus por terem matado Jesus;
contextualização puramente espiritual: Jesus estava muito interessado na situação social precária de seus contemporâneos.
Mas pelo menos em um ponto a interpretação cristã está de acordo com o entendimento original da parábola: o dono da vinha é o próprio Deus.
O personagem que se destaca certamente é o filho que também era dono da vinha e veio cuidar do que é seu. Deste modo podemos entender que Deus ao nos alcançar com sua graça nunca nos deixa desprotegidos. Como o agricultor cercou a vinha, fez a torre e o lagar, colocou lavradores responsáveis sobre ela e mandou seus servos de tempo em tempo para colher seu fruto, não se intimidando com a má recepção e enviando seu próprio filho. Assim Deus também cuida de nós e além de plantar cuida e vigia, mas também julga porque deseja colher frutos dignos em nossas vidas.
A Bíblia Nova Vida traz uma explicação interessante sobre o sentido desta parábola afirmando que a parábola tem três ensinamentos: sobre Deus, sobre os homens e sobre Cristo[8]

A parábola da vinha ensina que:

a) Deus é:
1. É muito bom.
2. Confia sua vinha ao ser humano.
3. É paciente para com os pecadores.
4. Mas julgará a rebeldia.

b) A humanidade :
1. Recebe muitos privilégios de Deus.
2. Tem liberdade de atuação.
3. Tem responsabilidade para com Deus.
4. É rebelde contra Deus.

c) Jesus:
1. Tem direito de Filho de Deus.
2. Foi morto por nossa culpa.
3. Se rejeitado, trará juízo.
4. É a pedra angular que não pode ser rejeitada.

A atualização da mensagem desta parábola é simples podendo nos colocar ora como a vinha, ora como lavradores ou até mesmo como servos, a partir da reflexão:
Se somos a vinha, como podemos frutificar para o Reino de Deus correspondendo a expectativa divina?
Se somos os lavradores, como temos cuidado de tudo que Deus tem nos proporcionado? De algum modo pessoas nos são enviadas por Deus para receber de nós o que Deus nos tem dado para cuidar e então podemos atender os pequeninos (Mateus 18.10).
Se somos os servos, não precisamos temer os confrontos e perseguições porque muito pior sacrifício foi enfrentado pelo Filho, Jesus Cristo ao ponto de entregar sua vida por nós.

Conclusão

O desafio da exegese permanece como o descobrir do profundo oceano ou da longitude do universo. A cada olhar uma surpresa. E até mesmo conceitos já solidificados pela tradição simplista que temos de tudo, são modificados com o estudo e somos forçados a aprender a olhar com um olhar diferente. Como do artista que não vê na pintura apenas a paisagem, mas a técnica, o tema, a mistura de cores, a textura e falhas.
Sendo assim, com este estudo aprendemos como apreender e a caminhada do estudo exegético precisa continuar daqui pra frente numa busca profunda pelo saber e saber da Palavra de Deus, semelhante ao homem que buscou um tesouro escondido no campo e vendeu tudo para comprar aquele campo (Mateus 13.44).

Referências:

HALLEY, Henry H. Manual Bíblico. São Paulo : Vida Nova, 1993.
BÍBLIA. Português. Bíblia Vida Nova. Trad. João Ferreira de Almeida. 13. ed. rev. São Paulo : Vida Nova, 1990. p.32.
JEREMIAS, Joaquim, As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1986. p.78.
Discipulado e Missão no Evangelho de Mateus. Adolfo M. Castaño Fonseca. Coleção V Conferência. São Paulo: Paulus e Paulinas: 2007. p. 40.
JEREMIAS, Joaquim, As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1986. p.122.
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. 7. ed. rev. São Paulo : Paulus, 1995. p. 1879.
SALDARINI, Anthony J., A Comunidade Judaico-Cristã de Mateus, São Paulo, Paulinas, 2000, 360 pp.
SCHOLZ, Vilson & BRATCHER, Robert. (org). Novo Testamento Interlinear Grego - Português. Incluindo o texto da tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, segunda edição e da Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
SBB, Bíblia Almeida Revista e Atualizada no Brasil
Hendriksen, William Mateus São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, Vol. 1, 2
COENEN, Lothar & BROWN, Colin.(Ed). – Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – São Paulo, S.P.: Vida Nova, 2000. VOL 1 e 2
PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Fundamentos para exegese do Novo Testamento: manual de sintaxe grega. 1ª ed. São Paulo – SP: Edições Vida Nova, 2002.


[1] SBB, Bíblia Almeida Revista e Atualizada no Brasil
[2] SCHOLZ, Vilson & BRATCHER, Robert. (org). Novo Testamento Interlinear Grego - Português. Incluindo o texto da tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, segunda edição e da Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
[3] SALDARINI, Anthony J., A Comunidade Judaico-Cristã de Mateus, São Paulo, Paulinas, 2000, 360 pp.
[4] BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. 7. ed. rev. São Paulo : Paulus, 1995. p. 1879.
[5] Discipulado e Missão no Evangelho de Mateus. Adolfo M. Castaño Fonseca. Coleção V Conferência. São Paulo: Paulus e Paulinas: 2007. p. 40.
[6] JEREMIAS, Joaquim, As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1986. p.122.
[7] JEREMIAS, Joaquim, As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1986. p.78.
[8] BÍBLIA. Português. Bíblia Vida Nova. Trad. João Ferreira de Almeida. 13. ed. rev. São Paulo : Vida Nova, 1990. p.32.

Rev. Welfany Nolasco Rodrigues

Pastor Metodista, professor e escritor. 45 anos. Casado com Ássima, pai de Heitor e Hadassa. Natural de Muriaé MG. Bacharel em Teologia pela UMESP.

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