Tema: IGREJA
Atos 2.42-47 e 4.31-35
Introdução: As primeiras gerações de cristãos, até
o segundo século é conhecida como a Igreja Primitiva. Jesus é a Cabeça (Efésios 5.23)
e a Igreja é o seu Corpo (I Coríntios 12.27). Então se a Cabeça é a mesma,
o corpo também permanece, ou seja, a Igreja que está ligada em Jesus Cristo, o
Senhor.
O
livro de Atos dos Apóstolos traz palavras chave que são repetidas no texto ou
estão implícitas em seu conteúdo. Baseado nestas palavras, podemos perceber
qual era a ênfase da Igreja Primitiva. Se voltarmos a estes princípios, podemos
nos aproximar da realidade vivida pelos primeiros cristãos.
É possível voltar à Igreja Primitiva?
1- DOUTRINA = Didaquê
Atos 2.42 “E perseveravam na doutrina
dos apóstolos, e na comunhão, no partir do pão e nas orações”.
A
Didaqué ou Didachê (διδαχή) é ensino
ou a doutrina1 da Igreja Primitiva. Existe um documento
histórico chamado Didaqué que contém as orientações principais sobre a Igreja e
a fé cristã de modo geral destinada ao ensino de novos convertidos. Este texto
foi escrito entre 96 e 100 d.C. e foi preservado como prova do cuidado que os
primeiros cristãos tinham com sua doutrina.
Esta
primeira palavra mostra que a Igreja estava baseada na “doutrina dos apóstolos” e não em
novidades, modismos teológicos, costumes denominacionais ou opiniões
individuais. Não existe outro alimento para a Igreja senão a Palavra de Deus (Mateus 4.4).
A
Igreja assumia sua missão que Jesus deixou para “ensinar todas as coisas” (Mateus 28.20).
Isso nos faz lembrar a ‘era da Escola Dominical’, período em que as igrejas
evangélicas eram marcadas pelo estudo da Bíblia e formavam comunidades
robustas, bem como cristãos preparados. Com o enfraquecimento da Escola
Bíblica, muitas igrejas também enfraqueceram. Enquanto isso, percebemos muitas
seitas que preparam seus fiéis com estudos e capacitação, por isso estão
avançando cada vez mais.
Se
quisermos voltar à Igreja Primitiva, também precisamos retornar às Escrituras,
como disse Martinho Lutero: “somente a Bíblia” (Sola Scriptura) é suficiente
para o conhecimento da Salvação. Uma Igreja verdadeira precisa estar baseada na
Palavra de Deus.
A Igreja precisa voltar
ao ensino da Palavra de Deus!
2- PODER = Dynamus
Atos 2.43 “E em toda a alma havia
temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos”.
A
palavra poder é o termo Dynamus (δύναμις)2
que significa virtude, domínio ou capacidade sobrenatural. O poder do Espírito
Santo proporcionava que sinais, milagres e prodígios acontecessem com
frequência comum (Atos 5.12).
Sem
dúvida alguma, a força da Igreja Primitiva era o poder espiritual prometido por
Jesus “recebereis
poder ao descer sobre vós o Espírito Santo” (Atos 1.8). Sem este poder a Igreja
se torna fraca e impotente.
Com
o passar do tempo, durante a história a Igreja começou a buscar outros poderes,
ou seja, com a institucionalização interna, a Igreja estabeleceu poderes e
cargos dentro de sua estrutura e externamente, a Igreja se tornou poderosa e
reconhecida no mundo. Com isso, muitas vezes a Igreja deixou de buscar e
depender somente do poder espiritual para usar de seus artifícios como seus
títulos e influência social.
Infelizmente
muitas igrejas começam buscando o poder do Espírito e com o tempo começam a
prosperar, passando a estabelecer seus próprios poderes internos, além de fazer
alianças políticas em busca de poder perante a sociedade. Consequentemente o
poder espiritual se esfria.
A Igreja precisa voltar
a buscar somente o Poder do Espírito Santo!
3- COMUNHÃO = Koinonia
Atos 2.44
“Todos os que
creram estavam juntos e tinham tudo em comum”.
A
Koinonia (κοινωνία) significa “tudo em comum”3
com sentido de comunhão. A comunhão é comum + união ou união comum. Esta vida
em conjunto entre os irmãos primitivos era uma marca visível da Igreja. Não se
viam cristãos solitários, sempre estavam juntos.
A
forma de cuidado entre os irmãos na Igreja primitiva, chamada de poimênica (poimh/n) 4, que é o cuidado pastoral, fazia que
todos procurassem apoiar uns aos outros e procurar quem precisasse de ajuda.
Com isso, todos os cristãos eram assistidos pastoralmente, não somente pelos
apóstolos, mas por todos os irmãos, formando uma rede de apoio e cuidado.
Sua
unidade era tão intensa ao ponto de ser “um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém
dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes
eram comuns” (Atos 4.32). Não apenas estavam reunidos, mas
realmente unidos ao extremo de compartilhar tudo em comum.
Todos
os domingos a Igreja estava reunida para partir do pão celebrando a comunhão na
Santa Ceia do Senhor, mas todos os dias estavam juntos quando “partiam o pão de casa
em casa” (Atos 2.46)
Um
dos desafios para a Igreja atual é romper as barreiras de separação entre as
pessoas. Jesus prometeu estar junto conosco onde pelo menos “dois ou três”
estivessem em união (Mateus 18.20), e a bênção de Deus é ordenada onde
há unidade (Salmos
133.1-3). A oração sacerdotal de Jesus pela Igreja foi para que
vivêssemos em união “para que o mundo creia” (João 17.21).
Se
quisermos retornar à Igreja Primitiva, precisamos deixar de lado nossas opiniões
e tudo mais que possa nos separar das pessoas para viver em comunhão. A Igreja
precisará aliviar sua estrutura com hierarquias que separam as pessoas que
equiparar todos como irmãos além de minimizar o ativismo com excesso de
programações priorizando a convivência entre as pessoas com seu próximo.
4- SERVIÇO = Diakonia
Atos 2.45
“Vendiam suas
propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, á medida que alguém
tinha necessidade”.
A
Diakonia (διακονῇ) é o serviço5 da Igreja para com as
pessoas. O Diácono é o servo ou auxiliar dos ministérios da igreja. O próprio
culto era considerado um serviço ou trabalho, baseado na palavra Leitourgia (leitourgi/a)6 que é a liturgia, que tem sentido de
serviço de um criado ou pessoa inferior.
A
Igreja prestava serviço à sociedade provendo socorro para os necessitados.
Entre os irmãos “nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam
terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam
aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida que alguém
tinha necessidade” (Atos 4.34,35). Seu serviço ou ministério era
radical ao ponto de abrirem mão de tudo em prol do amor ao próximo.
Para
não correr o risco de deixar pessoas sem assistência, os apóstolos promoveram
uma eleição de diáconos que seriam literalmente servidores da igreja. Na
eleição dos diáconos os apóstolos orientaram: “Escolhei, pois, irmãos, de entre vós, sete
varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais
constituamos sobre este importante negócio” (Atos 6.3). Diáconos deviam ser
homens de boa reputação sempre prontos para o trabalho da Igreja (I Timóteo 3.8-13).
Se
quisermos voltar à Igreja Primitiva, precisamos passar a nos dedicar mais a
quem está fora da Igreja sem deixar de atender aos irmãos que estão perto de
nós. Como igreja, devemos assumir nossa verdadeira missão ao invés de investir
todo nosso esforço na construção de templos ou quaisquer outras atividades. A
Igreja pode ser útil servindo a sociedade mostrando em prática o amor cristão.
A Igreja precisa voltar
a servir a sociedade!
5- GRAÇA = Charis
Atos 2.46,47 “Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam o pão de casa
em casa e tomavam suas refeições com alegria e singeleza de coração. Louvando a
Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes
o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”.
A
graça, charis (χάρις)7 tem sentido de prazer, favor, generosidade,
doação, gratuidade e amor incondicional entre tantos significados maravilhosos
desta palavra. A graça é o presente de Deus doado por nós (II Coríntios 8.6, 19). O carisma é
o amor em forma de poder do Espírito Santo que comove a Igreja a agir através
desta graça.
A
Igreja Primitiva dependia tão somente da Graça de Deus para tudo. Não tinham
influência, eloquência, estruturas ou qualquer outra coisa. Entretanto a
superabundante graça sempre foi o suficiente (II Coríntios 12.7).
A
graça é o perdão de Deus para o pecador (Atos 14.26). Por isso os cristãos transmitiam
graça até mesmo no meio das perseguições (Atos 7.10). Eles se cumprimentavam anunciando a
graça e a paz (Atos
15.23). Através da Graça, manifestavam sua “alegria e singeleza de coração” (Atos 2.46)
e simpatia (Atos
2.47) com as pessoas.
Com
o crescimento da Igreja, esta passou a agir baseado no seu próprio conhecimento
e confiou em sua própria força. Infelizmente, muitas igrejas deixaram a Graça
que Jesus ordenou: “de graça recebestes, de graça dai” (Mateus 10.8),
passando a cobrar pelo que faz ou induzir os fiéis a doar pensando em receber
algo em troca. Isso fez que surgisse uma igreja ‘sem graça’. Para voltar à
Igreja Primitiva, precisamos fazer tudo de forma gratuita e por amor dependendo
sempre da misericórdia e bondade de Deus.
A Igreja precisa voltar
a fazer tudo pela Graça!
6- PREGAÇÃO = Kerigma
Atos 4.31 “tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos, todos
ficaram cheios do Espírito Santo, e com intrepidez, anunciavam a palavra de
Deus”.
A
pregação do evangelho era o centro da missão dos cristãos primitivos. Esta
mensagem é expressa pela palavra kerigma (κηρύσσω)8 que significa “proclamação por arauto”,
que é o anúncio da Palavra de Deus.
Esta
mensagem está ligada a outras três palavras usadas muito usadas pelos cristãos
primitivos em Atos:
LOGOS
(λόγον): É a Palavra viva e encarnada (João 1.1 e 14).
Jesus é a origem de toda a pregação cristã.
METANÓIA
(μετανοέω) = “mudança de mente”9:
a mesma anunciada por João Batista e Jesus quando pregavam “arrependei-vos” (Mateus 3.2; 4.17; Atos
2.38; 3.19), dizendo Metanóia com sentido de arrependimento e
conversão.
EVANGELHO
(εὐαγγέλιον)10: o conteúdo da pregação era as boas novas
de salvação em Jesus Cristo.
Pedro havia feito sua primeira pregação após o
Pentecostes (Atos
2.14-). O fruto desta mensagem foram três mil pessoas batizadas. Os
que ouviam sentiram o coração arrependido como se estivessem transpassados (Atos 2.37)
pela Espada de dois gumes da Palavra de Deus (Hebreus 4.12). A pregação da Igreja
é transformadora.
Os
primeiros cristãos e os apóstolos seguiam “pregando o reino de Deus, e ensinando, com
toda a liberdade, as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo, sem
impedimento algum” (Atos 28.31). Esta pregação do kerigma traz vida
para as pessoas. Faz sentido para sua experiência pessoal e muda tudo.
Para
voltar à Igreja Primitiva devemos priorizar a pregação como anúncio da Palavra
de Deus. Se formos analisar, a igreja gasta muito tempo com outras coisas como
música, apresentações, avisos e tantas atividades e muito pouco de pregação. A
missão deixada por Jesus para nós foi “ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”
(Marcos 16.15).
A Igreja precisa voltar
a Pregar o evangelho!
7- TESTEMUNHO = Martyria
Atos 4.33 “E os apóstolos davam, com grande poder, testemunho da ressurreição
do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça”.
O
testemunho vem da palavra Martyria (μάρτυς)11
com significado de depoimento ou declaração de ser uma testemunha. Os mártires
eram “aqueles que dão testemunho por
sua morte”12.
Os cristãos primitivos estavam dispostos a morrer para nunca negar sua fé.
Uma
das bases da ousadia destes mártires era a sua fé na ressurreição dos mortos,
por isso estavam dispostos a morrer crendo que ressuscitariam com Jesus. Além
disso, queriam ser como seu Mestre, então consideravam uma honra morrer como
Jesus.
Estêvão
foi o primeiro mártir da igreja (Atos 7.44), pois isso “o sangue de Estêvão, tua testemunha” ou
mártir (Atos 22.20),
foi o início de um tempo de intensa perseguição aos cristãos. Estes valentes
formam a galeria dos Heróis da fé que não temeram morrer (Hebreus 11.32-40).
Alguns
testemunhos marcantes como o de Policarpo, bispo de Esmirna e provável
discípulo do apóstolo João. Quando foi posto na fogueira para seu martírio,
Policarpo disse que acenderiam um fogo que se apagaria, mas o fogo do juízo
eterno jamais se apagará13. Tertuliano de Cartago declarou ao morrer
que “o sangue dos mártires é a semente da Igreja” 14, referindo-se ao
crescimento do cristianismo em meio à perseguição. A Coréia do Sul vive um
grande avivamento nos dias atuais, mas muitos pregadores morreram por isso.
A
falta de testemunho é um grande empecilho para a igreja atual. Por causa de
qualquer problema as pessoas abandonam sua igreja e os votos de fidelidade a
Deus quando aceitaram a Jesus ou foram batizadas. Em contrapartida, os cristãos
primitivos estavam dispostos a morrer sem negar sua fé.
Para
voltar à Igreja Primitiva será preciso investir no testemunho e formação do
caráter cristão. A Igreja deve ser mais criteriosa na escolha de seus líderes
que são formadores de novos crentes. O mundo não precisa ver nossa música,
nossos templos ou eventos gospel, mas o nosso testemunho de vida.
A Igreja precisa voltar
ao testemunho de sua fé!
Voltemos à Igreja Primitiva!
CONCLUSÃO
A
distância entre os primeiros cristãos e a igreja atual não é somente o tempo de
aproximadamente dois mil anos15. Parecer que tudo mudou. Mas se a Palavra
de Deus ainda é a mesma e o próprio Jesus não muda (Hebreus 13.8), então não podemos
perder esta força da Igreja Primitiva.
O
caminho de volta é o retorno ao ciclo formado pelas palavras que mostram a
rotina da primeira igreja: doutrina, poder, comunhão, serviço, graça, pregação
e testemunho. Sendo assim, a Igreja estará capacitada pelo ensino, cheia de poder,
fortalecida em comunhão, ocupada trabalhando para o Reino de Deus, manifestado
e dependendo da Graça, anunciando a pregação do Evangelho e com bom testemunho
de vida.
É possível voltar à Igreja Primitiva!
______________________________
1 VINE, W.E., Merril F. Unger e William
White Jr. Dicionário Vine. Rio de
Janeiro: CPAD, 2006 – 7ª edição. Página 579.
2 IDEM.
Página 879.
3 IDEM.
Página 485.
4 IDEM.
Página 856.
5 IDEM.
Páginas 990 e 991.
6 IDEM.
Página 990.
7 IDEM.
Página 679, 680.
8 IDEM.
Página 892.
9 IDEM.
Páginas 415,416.
10 IDEM.
Página 629.
11 IDEM.
Página 1020.
12 IDEM.
Página 1021.
13 FOX,
John. O livro dos mártires. São
Paulo: Mundo Cristão, 2003. Página 30.
14 BERCOT,
David W. O desafio da igreja atual à luz
da igreja primitiva.PDF(http://www.aigrejaprimitiva.com/igrejaprimitivaXaigrejaatual.pdf). Página 9.
15 RODRIGUES,
Welfany Nolasco. A evangelização na igreja primitiva. Belo Horizonte: Filhos da
Graça, 2015. Página 70-74.
Citações Bíblicas: Bíblia Revista e Atualizada, Sociedade Bíblica do Brasil.
Uma pesquisa histórica que analisa a prática da evangelização cristã até o final do segundo século, buscando descobrir elementos da organização da Igreja, dos modelos de discipulado e de capacitação dos novos convertidos e das lideranças cristãs. A questão de fundo é como se dava a evangelização e o crescimento da igreja a partir dos primeiros cristãos com reflexões para a Igreja contemporânea.
88 páginas 14x21